quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Os olhos de Machado

Com toda certeza, a obra que mais incomoda o leitor (pesquisei o assunto), especialmente o leitor não especializado, ou seja, o critico literário; é Dom Casmurro. Publicado em 1899, o livro trás a história de Bento de Albuquerque Santiago que já velho e solitário conta-nos a história de sua vida, partindo de sua infância e adolescência – quando era chamado de Bentinho – até chegar à vida adulta. Ao longo da narrativa, nosso narrador Casmurro, apelido que recebera de um “rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu”; relata o inicio de seu amor por Capitu, assim como os arranjos que ambos, com ajuda de José Dias, realizaram para que Bento não se torne padre, conforme promessa de Dona Glória.

O que aparenta ser apenas mais um romance do século XIX se esconde uma obra instigante, no sentido mais completo da palavra. A cada nova leitura que faço, (preciso fazer mais uma!), a pergunta mais feita sobre o livro – afinal Capitu traiu ou não Bentinho? – torna-se insignificante. Claro que a duvida permanece até hoje, porém, será ela a mais importante do livro?

A resposta é NÃO! Saber se Capitu traiu ou não é o menos interessante do livro! E lê-lo pensando apenas nisso, é perder momentos bárbaros e extremamente belos do texto de Machado! Como, por exemplo, o capítulo mais sensacional do livro, ou seria um dos capítulos mais sensacionais de Dom Casmurro?

“Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me” (idem, pág. 71).

Obviamente, esse é uma das partes que mais gosto, porém o que me chama atenção, é o poder que Machado de Assis tem de arrastar o leitor como se estivesse numa praia! Sem qualquer aviso, o leitor é pego pela maré machadiana e sem como se salvar, só lhe resta ler para se salvar!

Essa metáfora, belíssima por sinal, sintetiza a grandiosidade de Machado, que materializou no olhar de uma personagem, o poder da palavra. Ou seja, é na manipulação da palavra, que ele nos prende a sua obra. Mas, não esqueça o narrador machadiano! Tal figura é sempre um ser traiçoeiro, ardiloso, esperando para ar o bote, digno de respeito, mas não de confiança!

Na verdade, Machado de Assis é mais que um grande autor, ele foi e continua sendo um autor de inúmeros mistérios e olhares, que nos seduz para adentrarmos em seu universo que não se limita apenas a duvidas amorosa. Pelo contrário, ele nos apresenta um rico universo em que a critica social e política se fazem presentes, contudo, engana-se, o leitor, se pensa que isto se revela de forma chata. Não! Tal espaço político surge por meio da ironia. Uma ironia fina e elegante, digna de Machado Assis!

Nenhum comentário:

Espaço para uma crônica

  A noite do barulho   Era 1h50 da manhã de sexta-feira quando fui dormir. Um pouco tarde, eu sei, mas o sono tem se atrasado ultimament...